Reflexo

       Sabe aquele dia que você acorda, se olha no espelho e vê o quanto você está bem? E é aí que você percebe que tornou-se independente e nem se deu conta, que aqueles sonhos antigos foram esquecidos ou realizados e que aquele espelho está situado naquele apartamento que tanto desejava. O carro está na garagem, a cama vazia, o que significa que você é solteira e que aquele bonitão de ontem já foi embora. As rosas em cima da mesinha são consequências daquela beleza que você viu no espelho.
        Para quebrar o clima de êxtase, entre você e    seu reflexo, o telefone toca, o que significa que você tem um chefe e ele está te chamando para aquela reunião, no qual você tanto brincava quando criança e que além de ter um chefe, você tem um salário e consequentemente um cartão de crédito para pagar.
        O que dizia quando fiz a  pergunta, é que esse dia, apesar de comum, é o dia em que todas as garotas esperam viver e nem sempre vivem, simplesmente porque esperam. As coisas não acontecem através do empurrãozinho do acaso, aliás creio que isso seja uma desculpa usada por aqueles que não querem admitir que sofreram para estar onde estão ou por aqueles que já nascem sorrindo e montados na grana que há no berço de ouro.
         Quando olhar para o espelho, talvez você lembre daqueles tempos em que sonhava em ser modelo ou uma atriz famosa e vê que acabou se tornando aquela advogada certinha e regrada que tanto criticava, mas se olhar mais um pouco para o espelho perceberás a grande mulher que está na sua frente, o quanto amadureceu no últimos tempos e o quão proveitosas estão sendo as sessões de ioga. 
  

Fogo de palha


     Há uma atmosfera de sentimentos que percorrem as entranhas do meu corpo, enquanto meus pulmões liberam a respiração ofegante e acompanhada do calafrio rotineiro. O suor ganha uma nova definição, assim como aquelas palavras que te disse ontem, nos momentos de raiva. Tais palavras ficaram para trás, abrindo caminhos para o desejo que percorre os quatro cantos do meu ser, enquanto beija o teu. 
      Uma noite seria pouco para satisfazer os meus sentidos, mas seria o bastante para que eu me sentisse viva novamente e renovada a cada suspiro. Minha mão que ontem feriu o teu rosto, a tua moral, hoje acaricia teus cabelos e sente a tua pele. 
       O que me chateia é saber que nada adiantará, pois sei que haverá o momento do adeus. A causa será a confusão que se faz em mim, quando lembro dessa atmosfera indescritível, ou quando lembro que estou te perdendo. Não foi por querer que eu não me dispus a mudar, tive prazer, porém confesso não aprendi a amar.

Começo do fim

    Certo dia, a caminho do trabalho, encontrei uma caixa jogada na calçada. Era preta, opaca e misteriosa. Estava atrasada e sabia que alguns minutos a mais de atraso não fariam diferença. Caminhei em direção a caixa, carreguei-a até uma rua deserta e abri. Havia uma lâmpada dentro da caixa, era dourada, semelhante às lâmpadas mágicas dos desenhos animados. 
      A situação no meu trabalho não estava das melhores, meu relacionamento andava de mal a pior, e a minha família encontrava-se um pouco distante. Então, percebi que nada poderia ser pior do que já estava, raspei a lâmpada e através de uma fumaça cinzenta surgiu um gênio. Não acreditava no que estava vendo e, se resolvesse contar para alguém, ninguém acreditaria. O gênio me informou que, ao contrário dos outros, ele não poderia realizar três desejos, mas poderia prever o futuro. Corajosa, questionei sobre o meu desastroso futuro e ele disse que neste ano aconteceriam coisas boas, muito boas e outras nem tanto... Sendo que as "nem tanto" seriam referentes ao meu relacionamento. 
      Meu namorado e eu planejávamos nos casar, éramos felizes até uma tal prima dele se mudar para a minha cidade. Nesta situação, pensei o que ainda poderia piorar. Mil coisas passaram pela minha cabeça, ele poderia me trair com ela, ela poderia tornar-se obcecada e fazer alguma armadilha, ou ele poderia simplesmente me deixar no altar. Deixei a lâmpada cair no chão e comecei a chorar ali mesmo. 
        Senti o mundo cair, me tornei insegura, sarcástica e passei a me entregar pela metade, com medo de me ferir ainda mais. Os meses seguintes foram de altos e baixos. Melhorei no emprego, resolvi as pendências familiares, mas o meu relacionamento ainda se arrastava.
         Ele dizia me amar, me tratava com carinho e cuidado, mas não negava a atração pela prima. Porém alegava que o nosso relacionamento estava difícil por causa do meu ciúmes excessivo. Dias depois, a prima foi embora para o exterior, mas de nada adiantou, pois nossos encontros se resumiam a brigas causadas pela minha possessão. Nesse momento, senti que o rumo do nosso futuro estava em minhas mãos. Mas, segundo ele, reconquistá-lo seria praticamente impossível. Então, percebi que não nos levei ao fundo do poço, mas provoquei o início do fim.  

Maior festa do planeta

        Verão, praia, calor, amigos. Curtição, pegação, final de férias. Gente de todos os tipos, índios de todas as tribos, de reggae a pagode, de polaco a mais pura cor do pecado. Éramos cinquenta mil almas sedentas por música de qualidade e muita diversão, isolados em um planeta único, construído através da diversidade. 
          Tudo começou com um canto forte para exaltar a "aurora precursora", naquele fim de tarde, dominado por coloridos, românticos, paz e amor, mpb, rockeiros, amantes do sertanejo universitário... Milhares de vozes deram vida àquela noite, que poderia ter sido comum, deram prestígio aos artistas e abafaram o som das caixas com tamanha empolgação. 
          O espaço era limitado, ao contrário da imensa alegria que dominava aquela multidão, que parecia ser sem fim. Milhares de corpos na base do beijo e do amor, em busca do sol e o mar para ganhar o coração de alguém, querendo um minuto para falar, e jurando amor eterno. Entre esses, ainda havia os que se perguntaram "que país é esse", ou que se submeteram a viver um quase amor. A saudade dos que estavam do lado de cá era inevitável, mas o meteoro de boas atrações era capaz de amenizar.
         Agora reviso as fotos para lançar na rede, relembro cada momento bom, e vejo o quão inesquecível é ser um planetário.

Tudo Diferente


    "Todos caminhos trilham para a gente se ver, todos caminhos trilham para a gente se achar..." Dizia Gadú quando desliguei o rádio, em estado de discordância com a sentença. A tristeza havia tomado conta das minhas ações, dos meus pensamentos. Por anos escondi, guardei atravessado na garganta três palavras que soavam na minha cabeça. 
      O fato é, que com o passar dos tempos, os nossos caminhos foram se tornando paralelos, ambos seguindo os seus caminhos, digo, você seguindo o seu caminho e eu esperando que um dia você fosse me ver com outros olhos. Desde o dia em que você foi embora, a tristeza já existente se transformou em um vazio sarcástico, que ria de mim cada vez que chorava diante de uma foto sua. Sonhos brotavam quando regados pela esperança de um dia tocar lhe os lábios, ou de simplesmente tocar tua mão. 
       Todas as possibilidades que essa esperança me propunha morriam a cada gesto frio e distante, cada vez que a vida me dava aquela rasteira rotineira, cada letra que saia da sua boca soando o nome de outra. A canção da Gadú foi ficando muda e aquele "eu te amo" guardado tantos anos para você se tornando oculto e a minha fé no amor morrendo. Agora sinto que despertei, esses tempos de vazio estão indo embora, aos poucos, e a minha esperança se renova, assim nasce em mim a vontade de fazer tudo diferente. 

Maria


     Bendito seja aquele aroma de orvalho, acompanhado dos primeiros raios de sol que surgem pela manhã, durante a orquestra de pássaros e galos a soar o clássico. Eu realizando sempre a mesma tarefa, ordenhar o branco e puríssimo leite, arrumar a mesa para o café da manhã, ordenar os filhos, que nem tenho, a escovar os dentes. A patroa acorda com enxaqueca, reclama de tudo e vai para o trabalho. Enquanto coloco os meninos no carro, pego a chave e sigo a caminho da escola.
       De cá para lá vou observando a tranquilidade e estabilidade inexistentes, aumentando a cada quilômetro que me aproximo da cidade. Pessoas com as cabeças cheias logo cedo, presas em tudo o que diz respeito a bens e poder, zelando pela classe e arrogância.
        Depois de deixar os meninos na escola, vou ao shopping center pagar uma fatura atrasada, para a minha patroa, lá observo pessoas estranhas de falso sorriso, e profundo abandono. E como podem viver assim? Vazios, mesmo diante de um convívio tão intenso com diversas pessoas.
        Abençoada é a vida que levo, com simplicidade, cultivo do afeto, uma vida considerada sem graça e vazia, por todos aqueles que desconhecem o verdadeiro amor.

Incondicional

     Andei à espera do futuro, do grande amor, do melhor texto. Quis ouvir a voz mais bonita, o sorriso mais radiante, o olhar mais transparente. Sonhei com o cavalo branco na minha janela, a minha espera. Rabisquei nomes na areia, e o mar apagou. Fiz planos que não se realizaram, fiz juras e escrevi poemas jogados fora.
      Durante muito tempo foi assim, planos milimetricamente  traçados, palavras bem pensadas e a distância do futuro. De repente o futuro chegou, os planos desapareceram, a incerteza invadiu a mente e o coração, demorei para distinguir o amor, e descobri que o melhor texto nunca existirá.
       Eu queria um milhão de pessoas ao meu redor, ganhei algumas, e uma delas tem a voz que eu sempre quis ouvir, o sorriso que sempre quis ver, e o olhar que me dá saudade da praia, pois se assemelha com o mar. O cavalo branco deixei nos contos de fadas, o príncipe deixei para a cinderela. Mergulhei na vida real, mas continuo a espera do futuro, que trará, talvez, não mais o grande amor. Espero agora pelo amor incondicional, que virá  acompanhado daquele chorinho, que nos enche de alegria e anuncia o início de uma nova estrada.
       E quanto ao grande amor, descobri que ele está plantado em mim desde o dia em que chorei pela primeira vez, destinado àqueles que plantaram a semente que originou a minha vida.

Monotonia feliz

  

  Feliz é aquele que tem uma casa para cuidar, filhos para criar, família para sustentar, de gato e cachorro a sogra. Deveríamos sorrir ao abrir a fatura do cartão de crédito, sinal de que adquirimos algo novo, festejar cada vez que abastecemos o carro e agradecer à nossa sobrevivência sobre a Terra.
    Pior seria se não tivéssemos nada disso, quando refere-se a bens materiais é difícil imaginar sobrevivência sem eles, mas quando se trata de família, é simplesmente impossível imaginar qualquer hipótese de sobrevivência. O amor é algo impossível de ser levado pelas águas ou pelos ventos, enquanto os corpos flutuam sob uma água que surgira em questão de segundos. 
     São milhares de vidas que se vão, milhares de lágrimas que escorrem, milhares de casas destruídas e milhares de pessoas que estão nem aí. O que era manchete há duas semanas atrás, hoje é uma notícia apagada, uma simples ação da natureza que ficou no passado de certas pessoas. 
     Enquanto desabam corações, lares, moradias, aqui estamos a reclamar das nossas vidas que estão de pé.