Muralha

            Eram cinquenta homens e eu. Sim, cinquenta, todos os dias. E eu me espantava a cada dia mais com a forma grotesca e ao mesmo tempo tão delicada deles de lidar com o mundo. Tudo tão mais simples, tão mais sincero, desapego. Quebrou? Compra outro. Rasgou? Rasga o resto. Divórcio? Próxima! Não, eu não era uma puta qualquer, muito menos um prodígio que consegue ter cinquenta clientes em um dia. Eu era apenas uma Engenheira Civil que comandava uma obra com cinquenta homens. 
Deveria ser pré-requisito para boa parte das mulheres conviver no meio de tantos caras. Aprender a ser um pouco mais firme, menos tolerante, mais racional, menos implicante e muito mais livre. Sim, eles se permitem a uma liberdade maluca ou um tanto nojenta. Simplesmente seguem a filosofia de que "o que coçar, será coçado" e no caso dos meus queridos construtores, não basta olhar para a menina, tem que comunicar ao mundo todo que ele é muito gostosa ou que o carinha meio alegre passando é viado... Eu também os achava nojentos, mas, depois de conviver digo que sinto até um pouco de falta. Eu me diverti muito e aprendi a ser mais masculina. É muito mais fácil e melhor dizer o que se pensa, fazer o que a vontade mandar, não ser hipócrita e aderir a teoria de que tudo o que é bonito é pra se mostrar e sem perceber, muitas vezes, eles seguem isso muito bem. 
              Tudo bem que são frágeis, não conseguem suportar uma dorzinha sem fazer fiasco. Nesse ponto nós mulheres estamos de parabéns. Mas, o que me irrita é que mulher grita pra tudo. Quando algo cai, quando leva um susto, quando está com medo, quando briga e até quando... Enfim, não consigo compreender qual seria o efeito do grito. Já os homens não sofrem desse mal. Tá, eles fazem fofoca, mas não em um nível tão maldoso quanto uma mulher. Chamam o cara de corno na frente dele e quando querem algo, tipo folga no feriadão, conseguem se unir. Acabei por conceder a tal folga, eles me conquistaram a cada dia com esse jeito estúpido e mal educado. Sim, eu gosto de pessoas educadas, mas o que me chamou a atenção foi esse desapego, essa leveza, que ás vezes vinha em forma de selvageria. Eles comem desesperadamente, sem preocupação, não passam protetor, não cuidam do cabelo, não gastam com milhões de cremes para a acne, erguem uma barra de concreto como se fosse uma pena e muitos até carregam um pedaço de concreto no peito. Quanta praticidade! Obrigado, por favor, com licença, nem sempre fazem parte de suas vidas, eles choram, defendem suas fêmeas, fazem amigos em fração de segundos, marcam churrasco e futebol, convidam os outros quarenta e nove para comemorar um aniversário e são muito mais felizes, enquanto nós perdemos dias com mágoas, lágrimas e clichês que não fazem a menor diferença. 
              O prédio ficou lindo, a obra acabou e em mim se fez uma muralha de muitos metros, uma pitada de testosterona, animação e cerca de três quartos de desapego. 

Com carinho...

Meu caro,


Nem sei de onde veio, nem pra onde vai. Só sei dizer que seja pra onde for me leve junto. Me dê direito a quinze, vinte, quinhentos minutos com você. A eternidade de repente seria pedir demais, sejamos doidos, mas realistas e conscientes de que só o tempo pode definir o tempo e os porquês de estarmos juntos. Sonhar não custa nada, nem ter pensamentos bobos diante da luz da lua que é tão imensa quanto o que podemos sentir. Nada pode ser maior que o brilho dos olhos, que a força que une as mãos ou que a sinceridade da parte de ambos. Sei que não temos certeza de nada, nem de que o céu é azul, nem que seremos sempre felizes. Façamos tudo o que a vontade quiser e sejamos cúmplices enquanto existir um "nós". Não me atrevo a dizer que somos feitos um pro outro, já que de metades ninguém sobrevive. Entre para jogar e fazer  seu melhor, façamos o melhor pelo que acreditamos. Aliás, eu acredito e você? Respeito deve ser infinito acima de tudo e comigo não há regras, nem correntes que te prendam sempre a mim. Estar junto não significa estar preso, nem ser escravo. É querer estar com alguém que queira estar com a gente e só. Se achares que queres seguir teu caminho, avisa. Vai sem mim, mas leve lembranças boas e o pensamento de que tudo vai recomeçar com outrem. Diga a ela para que cuide bem de você, não conte sobre o que aconteceu, finja que esqueceu de mim. Mas, antes de te dar carta branca para partir, antes que algo possa ser iniciado quero apenas pedir para que apareça e bata na minha porta. Tudo isso seria perfeito, se eu soubesse quem és.


Com carinho para um desconhecido.

( Dedico esse texto para um casal de amigos, pelo qual eu torço muito e acho que independente de estarem juntos ou não, serão sempre inesquecíveis.) 



Menino


               Que tempo estranho faz lá fora. Ora tempestades, ora sol ardente. Tempos que nos fazem grandes ou pequenos, que renova ou queima a pele. Tempos que vem e vão. Depois de tantas enxurradas o menino aprendeu a fechar a janela e apenas observar a chuva. Chorar não se tornou inválido, mas um gesto raro para expressar tamanha emoção ou descarregar a matéria. Nesta página do diário deixo registrado que o menino cresceu um pouquinho e, embora não possa ser considerado experiente, já sabe um pouco de malícias e maldizeres. Não se pode evitar a mágoa... Assim, como não se podem prever as glórias.
                Menino pula feito doido, agora sorridente, comemorando a justiça feita pelo velhinho. Não são amores que o emocionam, mas a capacidade de aprender a trilhar um novo caminho. E, agora, de mãos dadas com  pensante, meu coração menino encara a vida com mais força. Agradecendo a cada dia por abrigar novas pessoas, aprendendo a não se deixar levar pela promessa e deixando de lado a vontade de "bater". Ninguém precisa agredir para revidar as pancadas que levou, existe um velho justiceiro que está sentado a observar a ação de cada menino como o meu. E não é na infelicidade do outro que mora a realização, mas sim no poder de superar as próprias expectativas. 

Não mais acuado o menino abre uma fresta da janela, anda fazendo sol lá fora e que bom. Nada é para sempre, nem mesmo a tristeza. De amores não se sabe, nunca mais se ouviu falar. E enfim, que seja assim até a próxima estação, já que nada é para sempre.  

Desabroche, não broxe...

           Quando semente, nem se sabe no que vai dar, se vai vingar ou não, não se sabe... O fato é que mesmo diante da incerteza do futuro, tratam de regar a terra. Em alguns casos, a água é mais escassa e em outros mais abundante, mas a vontade de regar é a mesma. Nenhum sujeito que semeia quer ver a sua planta murcha ou em sofrimento. A semente cresce, vira cravo ou rosa. Desabrocha a cada dia, adquire folhas ao longo do tempo, aumenta seu nível de clorofila e adquire condições de se virar sozinha. 
            Uma bela plantinha se abre. E quando jovem parece que é inatingível, que rugas nunca ocorrerão, problemas de seca e hipertensão jamais atingirão. A regra é se divertir e anular as regras. O medo do escuro se vai e a medonha da planta só quer saber da fotossíntese e absorver o brilho que a noite traz.  O jardim parece apresentar somente maravilhas, sem contas para pagar, sem a obrigação de ter um emprego e com o empenho voltado em ter ao menos uma gotinha de responsabilidade, interesse em aumentar o porte para garantir mais sustentabilidade. Afinal, um dia o velho jardineiro se vai e só resta a planta. Portanto, aprender a sobreviver é importante. 
            Os dias de sol vão passando e de repente ocorre uma seca. O caule murcha e nasce no peito o primeiro espinho. O primeiro de muitos ! E é aí que a consciência de que ninguém é invencível surge, sinal de que houveram mudanças e que aquela sementinha travessa não existe mais. E tudo o que é feito acaba gerando uma consequência, inclusive amar. Estar plantado na terra não significa estar parado e sim vivo, significa que por mais que haja ali um bom sujeito, a incerteza vai acompanhar pelo resto dos dias. Não se sabe qual o próximo passo, a próxima seca, a próxima enxurrada ou a época de poda. O segredo é ir vivendo e reinventando a cada dia. 
                Uma andorinha só não faz verão, mas duas podem gerar um resultado tremendamente positivo. Quando uma planta brota, nascem as novas sementes, as novas possibilidades e chances de mudanças mundo a fora. E é aí que a roda costuma emperrar. Você se acomoda e dá passagem para tudo aquilo que lá na juventude você achou que não iria existir. A tia Bete passa a te visitar e traz consigo a hipertensão, a tendinite, o velho pane no nervo ciático e todos aqueles problemas que todo mundo têm. É corriqueiro, é clichê, eu diria. E É CULPA SUA, ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE SUA ! A idade está nos olhos de quem está por trás do espelho, está em quem senta, se acomoda e esquece que está no comando de um simples aparelho de celular. E daí pra tudo depende do "fulano" e acha que quando recebe uma mensagem é sinal de que a joça estragou. Não, é só preguiça sua de pensar, é comodismo e cansaço, sim eu sei. Só queria te dizer para levantar daí, porque o número que vai atrás da tua identidade é só um certificado da tua experiência. Se arrume, se embeleze, faça caras e bocas diante do espelho, namore, transe e se descubra - esteja você nos quarenta, cinquenta, cem. ESQUEÇA DE TUDO, SÓ NÃO ESQUEÇA QUE A VIDA É UMA SÓ !

"Faça de você uma árvore plenamente verde e deixe a semente que há dentro de você agir como se o amanhã não fosse existir."


O português do amor

           No amor não existem acentos, pois de pé se vai mais longe. Sentar-se é se acomodar, permitir que você se torne a oração subordinada do relacionamento. Na verdade, uma relação saudável não necessita de uma oração principal, já que cada uma diz aquilo que deve dizer, sem que a outra perca o sentido e sem fazer com que a sua oração perca a razão. Ambiguidades não são bem vindas, uma frase é linda quando é clara e objetiva. Diga aquilo que realmente é, não invente delongas para demonstrar um sentimento regado de hipérboles e inverdades. O amor não é feito de máximas e sim de mínimas que fazem toda a diferença. Sim, os detalhes salvam ou ferram tudo de vez. 
            Metáforas engrandecem, garantem romantismo ou mascaram certas frases. E tudo que é mascarado não é bem vindo. Evite metáforas e cacofonias exaustivas. Depois de um dia de trabalho o silêncio cabe aos dois, mas, um bom diálogo cabe nessas horas. Catacreses sempre são bem empregadas, quando atingem o pé do ouvido. Eufemismo também funciona, diminui certos impactos, dando mais suavidade a qualquer situação que pode soar desagradável. O paradoxo é inevitável desde a época de Shakespeare, em que "amor é fogo que arde sem se ver e ferida que dói e não se sente". 
               Um bom relacionamento requer o prazer que pode ser expresso por uma aliteração de ruídos, no clímax de uma colocação bem feita ou aquele que surge diante do apagar das luzes. Mas, infelizmente eu insisto em dizer, que casal nenhum sobrevive apenas de momentos ocultos e prazerosos. Explicitamente deve haver concordância, tópico frasal e o como objetivo a felicidade de ambos. Jamais utilize assíndetos, nunca omitas as preposições; mas, contudo, porém entretanto, não importa quais forem as de sua preferência, exija explicações concretas, não se deixe enganar e não permita enganar a si mesmo. A sinceridade deve partir do seu interior antes de tudo, vírgulas servem para garantir algumas pausas necessárias e que fazem pensar em tudo o que pode ser melhor.
                A linguagem não precisa ser formal, a regra é que os dois se entendam e que haja um exagero de respeito, doses moderadas de carinho e uma pequena ironia, só para que o romance não perca a graça. Um verbo mal conjugado, é problema não certa! Evite pensar no que foi ou no que será, lembre-se sempre do modo infinitivo - que garante a infinidade da relação e demonstra o quanto é importante ela existir  e não o que já existiu e deixando de cogitar a hipótese de que outras existirão. Não me importa se o futuro é do presente, do pretérito, aliás o pretérito é o que menos deve preocupar, pois o presente é o melhor tempo. E por falar em tempo, tire um pouco para si e jamais deixe a sua felicidade de lado. Amar é buscar a felicidade mútua, aliada ao conforto de ambos e bem estar - e se não for assim, dispense as vírgulas e ponha um bom ponto final. 

Costume

Se eu chorar, não quero que me console com meias palavras. Não quero que utilize meia palma de uma das suas mãos para secar uma lágrima minha. De repente eu chore de fraqueza, de repente eu sofra de um mal tão comum e que com certeza você conhece bem. E pode me chamar de fraca, pois é isso que somos. Frágeis. Somos tão vulneráveis, que sofremos por algo que não vemos, algo que julgamos existir e sentir em algum momento. E como ia dizendo, não quero saber de nada que for pela metade. Se for para viver em meio termo, prefiro o nada. Já que me é de costume não ter o que partilhar, nem com quem. Já que me canso dia por dia, cama vazia, sala cheia e sempre sem ninguém. Por fim, te ordeno me virar as costas e partir para onde encontrar aconchego, preciso e devo cuidar de mim e só ir, ir só.

Por trás de um pequeno homem...



     Eu a conheci no verão passado. Não foi na beira da praia, nem em um parque, muito menos em um dia lindo de sol. Era um dia normal, nublado, pra ser sincero. Eu estava a trabalho, naquele dia tinha uma visita agendada no hospital de uma pequena cidade. Antes que se pergunte, sou representante de um fabricante de medicamentos e afins. Eu estava estressado, cansado e atordoado. Cheio de coisas para fazer, eu estava prestes a me casar com a Jessica. 
      Muitos pacientes, aquele corredor que parecia imenso para as minhas pernas cansadas, fui até o departamento 13 a procura do Dr. David, como de costume, e para o meu azar, ele não estava lá. Me dirigi a recepção e lá obtive a informação de que ele estaria no 19, onde fica a maternidade. Me dirigi até o local, ou melhor, onde eu achava que era o local, já que me deram a informação errada. Entrei no departamento 17 e comecei a vasculhar de porta em porta, para ver se achava o vivente. Abri a sala 203 e lá estava ela, deitada, sozinha - acabara de cortar o cabelo - chorava muito. Entrei e deixei para o lado de fora todos os meus problemas, tudo aquilo que eu pensava ser um problema. E como nunca havia acontecido, me comovi com a situação de uma pessoa estranha. Ela estava simplesmente linda. Cor da pele, sem maquiagens. Unhas curtas, cílios grandes, o lindo sorriso que abriu para mim e aquele olhar de quem luta a cada dia para salvar a própria vida. Meus amigos me perguntaram o que eu vi naquela mulher, sem cabelos, com câncer, com o risco de dormir e não acordar. 
           Mal sabem eles que eu vi ali uma mulher forte e você também pode me achar louco, mas eu a vi como uma mulher atraente, elegante e que possui muito mais do que cabelos longos. Alguém que mesmo do jeito mais natural que pode existir, consegue ser radiante. Enfim, quando digo que deixei tudo para o lado de fora daquela sala, me refiro a Jessica inclusive. Eu descobri que o que havia entre nós era uma coisa tosca, que a gente chamava de amor, e que infelizmente não passava de algo tosco, vazio. Não havia admiração, não havia emoção. O que sustentava aquela relação era uma atração física ou um comodismo tremendo. Jessica é linda, mas não apresenta nada mais além disso. 
            Obviamente, ficamos juntos. Logo, dei um jeito de adaptar meu apartamento e a minha vida para receber a Isadora. Ela chegou a vir morar comigo. Abri mão de muitas coisas, mas nenhuma delas me fez falta a ponto de me fazer desistir dessa nova vida. Pelo contrário, cada superação e sinal de melhora dela é uma vitória pra mim. Ontem ela retornou para o hospital, reiniciaram as sessões de quimioterapia e lá vou eu. Arrumar minha malinha e fazer do hospital o meu lar. Vou cuidar do que é meu, da mulher mais linda que já vi, daquela que fez de mim o que eu achava que era: um homem. 

"Aprendi que não tinha problemas e que a minha Isa, me trouxe com os problemas dela, todas as soluções me que faltavam."