Quem sabe?

         No envelope eu pus todos os versinhos, as carícias, as palavras de amor. No envelope encontram-se antigas razões, frutos colhidos pela doce ilusão e os desejos mais sórdidos. As cartas que não entreguei, o e-mail impresso, que não enviei e toda minha ternura. Anexei ao retrato toda a minha delicadeza que pede para sair daquela caixa preta. As pétalas secas de todas as rosas também estão ali, regadas com cada lágrima derramada. O beijo, o gosto, o amasso e, sobretudo o corpo, eu enterrei em um jardim longe daqui. O coração continua batendo, batendo e só. As canções eu canto só, quando só as paredes podem me ouvir. Eu canto baixinho, afinado. Eu canto para aliviar a alma, para me fazer sorrir e para me recordar de tudo o que havia aqui, antes de ti. Cada passo deixa uma pegada na minha estrada, cada pegada uma marca, um registro. Cada passo me deixa sem certeza, mas me dá uma esperança diferente. Mas, tudo depende do dia,  que se cinzento como hoje - só me traz lembrança tua. E, por falar em ti, já não sei quem és, de onde veio, nem teu nome. Nem teu cheiro conheço mais. A grande verdade é que congelou tudo o que era fogueira, mas, quem sabe um dia talvez eu aqueça, quem sabe eu me renda para o mais perigoso bandido, quem sabe eu me renda de novo - para o amor.

Dualidade constante


       A vida é curta e de uma complexidade incontestável. Podemos até dizer que viver é fácil, mas na prática, não funciona bem assim. Como tudo na vida, teoria e prática se diferem em alguns instantes. O fato é que pintamos e bordamos a vida, são cores, muitas cores que pintam os nossos planos. Traçamos tantas metas, quando jovens. Sonhamos, de repente, com o impossível. Sonhamos. O fato é que gostamos de pintar a vida conforme o nosso sonho, conforme a ilusão. Esquecendo a verdadeira cor que a vida tem, deixando oculto todos os trechos preto e branco que vamos percorrer, porque na imaginação viver é mar de rosa, colorido. A perda é o lado incolor da vida, tão sem graça, impertinente, desagradável. Mas, embora desagradável, não existe alguém que não vai perder alguém importante. Isso mostra o quão não estamos preparados para perder, sofrer. A derrota é o lado negro da vida, é a parte da vida que nem passa perto de nós nos nossos sonhos, mas ela ocorre para todo mundo, em algum momento. A gente nunca sabe quando, mas o fato é que haverão decepções, frustrações, brochadas. E outro fato bem importante é que sim, todos nós vamos ter os momentos de arco íris, de alegria extrema, de plenitude e satisfação. Isso tudo simplesmente porque a vida é uma constante dualidade, é uma cartola que reserva coelhos, incertezas, mudanças ou vitórias. Viver é basicamente acordar todos os dias sem estar preparado para o que vem pela frente, para que possamos aprender a cada dia a chorar ou sorrir, para que possamos ser conscientes de que esta noite qualquer um de nós pode acabar o dia com lágrimas nos olhos e iniciar o dia de amanhã com um lindo sorriso. Viver é estar ciente de que nem sempre se perde, nem sempre se ganha e que o importante é que se aprende a cada dia de vida, o importante é o que deixamos para as próximas gerações.

Percurso


Estava no ponto de ônibus, o táxi passou, - estava ocupado - a demora era tanta que resolvi ir a pé. De passo em passo, pela beira da praia tomei meu rumo. Observei cada detalhe, as montanhas ao longe, o céu. O sol imitava teu sorriso, a lua teus olhos e o vento soprava fazendo voar teus cabelos, na minha doce imaginação. Tantos nomes fui escrevendo na areia. Uma infinidade de rostos e gestos eu pude imaginar, enquanto andava. De repente, fazer o percurso de táxi não me causaria o mesmo efeito, não me permitiria sonhar - de novo. Talvez, não me permitiria criar esperança de coisa qualquer. E sim, eu estava ali remoendo todos os sintomas da minha impaciência, do meu tédio. Eu estava apenas tentando, mais uma vez, adivinhar como vai ser ou quem de fato está por vir ou ainda, se eu deixei de ver quem aqui está. Em cada estrela eu pude ver algo bom, uma qualidade tua. Em cada gota de chuva eu pude ver um defeito teu, que me gela, me molha, mas não me mata. Em cada dia eu me imaginei pegando a tua mão, te fazendo um poema sem rima. Já caminhei bastante, continuo caminhando e vou seguir. Sem certeza, sem expectativa. Apenas, com roupa do corpo e um violão. Quem sabe você se encanta? Quem sabe alguém me ensina uma canção?