Cheiro de pecado


     Um rastro de perfume passa por mim, todas as manhãs, no corredor do prédio. Desce ao meu lado no elevador e se despede no box vinte e seis da garagem. Não conheço o seu dono. A única informação que tenho é que aquele cheiro não me engana. É de macho! E macho daqueles... Ouvi dizer que o bendito dono do perfume mora no andar de cima, não sei se é solteiro, nem se é alto, baixo, retangular ou moreno. Achei estranho pois, nunca o vi. Confesso que ando curiosa, imaginativa e um tanto envaretada. Todas as manhãs enfrento a queda de nove andares ao lado daquele aroma que deixa o dia mais gostoso, com ar de ousadia. Às vezes penso que é melhor esquecer, tentar descer pela escadaria - assim, já exercito os glúteos e respiro novos ares - parar com essa ilusão, com essa infinita espera. Tento me convencer que os quinze já passaram e a imagem daquele professor/personal espetáculo de olhos verdes, aquele pacote de músculos ambulante não existe, nunca vai existir e muito menos morar no meu prédio. Tento, tento e não consigo deixar de desenhar lábios rosados e carnudos, olhos brilhantes, cabelos desajeitados e uma colher de chá de charme. Apesar de querer conhecer esse ser, temo em encontrar um senhor de cabelos grisalhos, acompanhado de sua senhora, filhos... E, talvez por isso, prefiro me manter assim - COMPLETAMENTE LOUCA por esse cheiro de pecado - que me faz sentir viva. 

Professor na selva

               Um milhão de vozes sopram sem pausa, sem pena de mim; sem pena de si, o corpo berra, se debate, briga, xinga. Um milhão de palavras sujas, soltas, raiventas, malucas. Inibidas em um cérebro relativamente nada pensante. Fazer o que? Andar contra a maré me tira as forças, incendeia veias - feito palha seca, quando queima na lareira - deixa lesionada minha fonte de ideias novas e planos para um possível futuro. Não vejo nenhum, diante dessa oposição e resistência da máfia de preto e gravata. Talvez aqueles pequenos olhos azuis digam o que minha boca não consegue, se não for tarde demais. Quem sabe as coisas não mudam, quem sabe... Quando digo que já não penso, é porque não sei pensar. Desaprendi por zelo aos neurônios que ainda restam. O restante já retirado do acervo fora gasto com outras mentes, por vezes ocas, por vezes inexistentes. E já dizia o sábio - revolta gera revolta - sem mais! Assim, parei de tentar no momento em que percebi que a indignação estava liquidando inocentes mentes recém nascidas ou que ainda estão por nascer. Então, ao invés de enfrentar uma depressão nada meiga, resolvi contribuir com o que chamo de tentativa de reconstrução das mentes perdidas. Espalhando ideias feito bolhas de sabão, de trinta em trinta, de pessoa para pessoa, até que se calem as vozes - me gratificando com satisfação. Ah! Antes que me esqueça, espero que sejam plantados árvores de "nãos" para que não haja a extinção desta espécie, abolindo-nos da vida na selva para novamente haver civilização.
                      

Carnaval


      E dizem que entre quatro paredes vale tudo. Mas esqueceram de dizer que, na verdade, vale quase tudo. Não vale nada se for sem vontade,  nem se isolar para refugiar-se de problema sequer. Se com ou sem e até com quem, já é um problema seu. E nesse clima de folia, o que não deve faltar é paetê, pluma e purpurina. Grito, agito, gemido, prédio estremecido. Nada de samba, mas muito enredo. Um zunido no ouvido de quem dorme sozinho e se põe a sonhar conscientemente, talvez, com essa folia que não para. Talvez uma bela bateria desafinada para um ou outro vizinho de porta. Vai saber se o tamborim não anda soando mais que o normal - Afinal, tempos de CARNAVAL! Soma de desfalecidos corpos, de olhares tênues, nada discretos ou até infiéis . - Os quesitos são bem avaliados e no final sai ganhando quem tiver um conjunto melhor, todas as comissões no lugar e em ordem. Uma pitada de carisma sempre conta, atitude, objetividade e originalidade definem tudo. Nada de perfeição, o importante é imaginação. O amor e a arte são linhas paralelas, mas que ás vezes se entrelaçam formando fantasias, alegorias e histórias. E é exatamente nesse ritmo de alegria que deve começar a festa, mesmo que seja só na imaginação, pois como disse - vale tudo, inclusive sonhar.

Simples assim



       Talvez lutar para ser o melhor já não é tão importante assim. E já pouco me importa se minha presença é algo realmente interessante, se será marcante. E que se dane se minha voz irá causar um efeito retumbante, se minha imagem é ou não reluzente, se estou sendo nobre ou se passo despercebido. Sim, faço o melhor de mim, não desisto não. E sim, já não sei mais o que é ser o centro das atenções, me esqueci até se algum dia passei por isso. Afinal, agora o que me importa apenas é fazer tudo o que for preciso ser feito, ser simples, ser cordial. A quem eu realmente importar vai me notar passar. Quem realmente quiser ouvir, vai sim perceber a voz de modo retumbante e aqueles que realmente derramam um pingo sequer de amor ou algo similar por mim vão perceber o efeito da minha chegada, o reluzir de um sincero sorriso e sentir na pele aquele leve chuvisco de um nobre olhar.


"A simplicidade é o brasão que demonstra a nobreza de um ser humano."