Timidez


         Que olhos são esses? Que me cercam, vêm e vão simultaneamente com os meus passos firmes. Olhos de quem deseja ou olhos de quem quer revanche? A boca silencia enquanto as janelas se abrem para mim e fixas ficam a me admirar enquanto me sujo comendo um cachorro quente. O corpo paralisa, o frio bate, a mão gela, o suor pinga... Você se põe nervoso enquanto os teus pensamentos buscam os meus, enquanto a tua pele arrepia ao me ver cantar e todos os dias ali, na platéia, você está. 
         Minha timidez te cerca, pergunta teu nome, te chama e sorri, mas você não liga, finge ou não vê. Por que?  Armadilha do destino ou uma fantasia da minha cabeça? Na verdade eu não sei. O fato é que não posso esconder o que quero, o que meus instintos sopram em meus ouvidos, o que meu corpo pede enquanto durmo e sonho. Não posso mentir para o meu orgulho que sisma em te odiar, enquando a minha boca teima em te querer. Amanhã vou tomar uma atitude, virar esse jogo e demonstrar para o mundo, talvez, que aqui dentro de mim, dois corpos podem sim ocupar o mesmo espaço. 
       

Grão de areia

               Tão pequena sou eu neste mundo, onde admiro as mãos produtivas, os braços fortes e as mentes brilhantes. Sobrevivo aqui, enquanto lá criam equipamentos, criam muitos filhos com o pouco que têm, criam coragem para lutar, mantém perpétuo o sorriso no rosto. 
                 Não sei ao certo a minha verdadeira dimensão, mas sinto que sou assim quase microscópica diante da multidão que se vai, em busca de vitórias, de crescimento, de superação. Enquanto eu permaneço aqui, escrevendo versinho por versinho de uma canção. Sábia, de certo modo, ainda sei que sou, mas nada comparado aos meus heróis, afinal diante do supremo e dos meus admirados, sou eu só mais uma a fazer dos versos minhas cobaias, da poesia a minha vida, e assim sigo, até encontrar outra saída. 

Nada de nós

          Joguei pela janela as pétalas das rosas que me deste, com elas voaram as lembranças, os sentimentos, o medo. Fechei a cortina e me pus no canto. Encolhida ali fiquei a pensar e repensar sobre todas as coisas incríveis que me aconteceram nos últimos meses. Sorri sozinha diante de todos os sonhos realizados, de todas as longas conversas durante noites inteiras, diante de tudo o que se referia a "nós" dentro de mim.
            Não chorei, porque agora já seria inútil, uma hipocrisia convertida em perda de tempo. Então, simplesmente liguei o "Beatles", que dizia mais ou menos assim: let it be. Permaneci ali, fumei uma carteira de um cigarro qualquer e fiquei a pensar e repensar sobre mim e tudo o que me compõe. Música, amigos, pai, mãe e nada além disso, já que o amor voou com as pétalas, já que você virou fumaça assim como os cigarros, assim como você virou as cinzas que restaram das cartas. O nada de nós que restou em mim se converte em vazio, em rascunhos do caminho que pretendo tomar e dos momentos que pretendo viver assim, a sós.

Quebra-cabeça

        Que peças o destino prega. É um "tira e bota", no quebra-cabeça da vida. Pecinhas que se encaixam automaticamente, pecinhas que se escondem para não completar a imagem, para o jogo não acabar. E assim, conforme a peça, embarcamos em um doce sonho ou em um triste pesadelo. 
          O fato é que a imagem vai se completando, com o passar do tempo. Se clara ou escura só as nossas ações podem decidir, enquanto a vida trata de nos ceder peças conforme o merecimento e retirar conforme a nossa ingratidão. Oportunidades quando não aproveitadas podem lançar aquela pedra no caminho e o destino pode se cansar de tudo e "game over". 
            Mas, se soubermos sorrir e encarar os dias de peito aberto, o destino nos trará as peças certas. E completar a imagem é apenas o fim de uma etapa do jogo, afinal existem as demais fases a serem vencidas. Cada imagem para revelar um período, uma vitória, uma conquista, um desafio. Fases de horror e pesadelo podem surgir, mas lembre-se: tais imagens no final do jogo podem não passar de simples fotografias. 
             Serão retratos que servirão para recordar a boas horas, fazer jus a tudo o que aprendemos durante o quebra-cabeça, retratos de nós. Retratos que revelam o quanto crescemos. 

Wallentine


Lá vai você, sorrindo, levando o meu bem mais precioso
Vieste para retirá-lo daqui, levá-lo para onde eu custe a achar
Talvez porque pretende vingar-se, levá-lo para o seu esconderijo
De onde vieste para mostrar as nuvens e de lá me jogar

Que queda
Poderia ter tido mínimo de compaixão
De cabeça baixa retorno ao meu habitat
Onde desaprendo paixão

Retomo a prática que tenho em sorrir
Enquanto o meu interior debulha-se em lágrimas de sangue
Enquanto meu externo finge amor em mim existir
Eu preparo as minhas armas contra o matador

O amor
Não mais inimigo, agora indiferente
Aquele que eu cogitei ser eterno
Me trai, me leva ao inferno.

P.S. Eu te amo

           O aroma era forte, seco e quase nada adocicado. Assim, na medida certa. O sorriso inteiramente branco, a pele morena e os olhos de cor indefinida. Alto, de semblante sério e pé quarenta e quatro. Como eu sei? Nesta época eu trabalhava de vendedora em uma loja de calçados. E ele era nosso cliente, o mais bonito, mais simpático e o mais fiel. Passava semanalmente na loja para dar uma olhada nos lançamentos. E eu sempre fazia questão de atendê-lo. 
            Certo dia, ele passou na loja à procura de um sapato feminino, pediu minha opinião. Surpresa, já que ele era aparentemente solteiro, perguntei quem ele desejava presentear. Ele respondeu que daria o sapato para uma garota, mas não especificou qual o tipo de relação havia entre eles. Disse a ele que os sapatos de cor vermelha estavam com uma boa saída e que de todos ali, era o que eu mais gostava. De maneira objetiva respondeu: então, é esse!
             Fiquei surpresa. Afinal, confesso, aquele homem era atraente, tinha a estrutura perfeita e sonho de qualquer mulher. Ele dirigiu-se ao caixa e conversou durante certo tempo com a atendente. Pensei, logo, que ele poderia estar interessado nela. 
              Nesse dia eu tinha um trabalho da universidade para fazer, portanto planejava chegar em casa, tomar um banho e me jogar nos livros. Porém, quando cheguei em casa, havia um cesto com flores em cima da mesinha. Perguntei para a minha mãe quem as enviou e ela disse que era anônima. Havia um convite dentro do cesto, era realmente anônimo e me convidava para jantar. Comecei a rir no ato, pedi para a minha mãe fazer o que quisesse com as flores, pois eu não iria neste jantar, afinal, eu achava que era algo inventado pelo Jack, o meu ex. Minha mãe disse que brigaria comigo caso eu não fosse, mesmo assim, não fui. 
                 No dia seguinte parti para o trabalho, tudo normal. Fui para casa e minha mãe disse que havia chegado uma caixa destinada a mim, de novo anônima. Abri a caixa era um colar, lindo e aparentemente valioso, junto havia um convite para jantar no mesmo local. De novo, não fui. E assim, todos os dias daquela semana haviam presentes anônimos e convites para jantar. No sétimo dia resolvi ir, descobrir quem me mandava tais objetos e devolvê-los. 
                   Coloquei o meu melhor vestido, me produzi inteira e fui. O restaurante era fino. Lá fui orientada a esperar em uma mesa que estava reservada e nela havia uma caixa preta. Sentei, esperei durante uns trinta minutos, quando fui surpreendida por aquele aroma delicioso que me atraia. Era ele. Vestia uma roupa digna da ocasião, estava vestindo um terno preto, inesquecível. 
                   Jantamos, bebemos um vinho importado, conversamos. E por fim, ele me entregou a caixa preta, nela havia o sapato vermelho. Logo, questionei o que ele realmente queria comigo, decidido respondeu que me observava sempre que ia comprar lá na loja e que estava apaixonado por mim. Eu ri. Sério, para calar o meu riso, ele jurou provar seus sentimentos. Àquela noite foi longa, maravilhosa e bem aproveitada. Fomos para o apartamento dele. Confesso que nunca havia sido tão feliz, quanto fui com ele. Afinal, de maneira sem igual ele me desejava. 
                    Alguns meses depois começamos a namorar, fomos muito felizes durante o namoro e talvez, por esse motivo, hoje, às vésperas do nosso casamento estou aqui, ansiosa, a sentir aquele aroma impregnado na camisa branca, do nosso primeiro encontro. 

 Cedo, para reforçar o inacreditável, recebi flores e no bilhete, anônimo dizia: 

       P.S. EU TE AMO !