Desabroche, não broxe...

           Quando semente, nem se sabe no que vai dar, se vai vingar ou não, não se sabe... O fato é que mesmo diante da incerteza do futuro, tratam de regar a terra. Em alguns casos, a água é mais escassa e em outros mais abundante, mas a vontade de regar é a mesma. Nenhum sujeito que semeia quer ver a sua planta murcha ou em sofrimento. A semente cresce, vira cravo ou rosa. Desabrocha a cada dia, adquire folhas ao longo do tempo, aumenta seu nível de clorofila e adquire condições de se virar sozinha. 
            Uma bela plantinha se abre. E quando jovem parece que é inatingível, que rugas nunca ocorrerão, problemas de seca e hipertensão jamais atingirão. A regra é se divertir e anular as regras. O medo do escuro se vai e a medonha da planta só quer saber da fotossíntese e absorver o brilho que a noite traz.  O jardim parece apresentar somente maravilhas, sem contas para pagar, sem a obrigação de ter um emprego e com o empenho voltado em ter ao menos uma gotinha de responsabilidade, interesse em aumentar o porte para garantir mais sustentabilidade. Afinal, um dia o velho jardineiro se vai e só resta a planta. Portanto, aprender a sobreviver é importante. 
            Os dias de sol vão passando e de repente ocorre uma seca. O caule murcha e nasce no peito o primeiro espinho. O primeiro de muitos ! E é aí que a consciência de que ninguém é invencível surge, sinal de que houveram mudanças e que aquela sementinha travessa não existe mais. E tudo o que é feito acaba gerando uma consequência, inclusive amar. Estar plantado na terra não significa estar parado e sim vivo, significa que por mais que haja ali um bom sujeito, a incerteza vai acompanhar pelo resto dos dias. Não se sabe qual o próximo passo, a próxima seca, a próxima enxurrada ou a época de poda. O segredo é ir vivendo e reinventando a cada dia. 
                Uma andorinha só não faz verão, mas duas podem gerar um resultado tremendamente positivo. Quando uma planta brota, nascem as novas sementes, as novas possibilidades e chances de mudanças mundo a fora. E é aí que a roda costuma emperrar. Você se acomoda e dá passagem para tudo aquilo que lá na juventude você achou que não iria existir. A tia Bete passa a te visitar e traz consigo a hipertensão, a tendinite, o velho pane no nervo ciático e todos aqueles problemas que todo mundo têm. É corriqueiro, é clichê, eu diria. E É CULPA SUA, ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE SUA ! A idade está nos olhos de quem está por trás do espelho, está em quem senta, se acomoda e esquece que está no comando de um simples aparelho de celular. E daí pra tudo depende do "fulano" e acha que quando recebe uma mensagem é sinal de que a joça estragou. Não, é só preguiça sua de pensar, é comodismo e cansaço, sim eu sei. Só queria te dizer para levantar daí, porque o número que vai atrás da tua identidade é só um certificado da tua experiência. Se arrume, se embeleze, faça caras e bocas diante do espelho, namore, transe e se descubra - esteja você nos quarenta, cinquenta, cem. ESQUEÇA DE TUDO, SÓ NÃO ESQUEÇA QUE A VIDA É UMA SÓ !

"Faça de você uma árvore plenamente verde e deixe a semente que há dentro de você agir como se o amanhã não fosse existir."


O português do amor

           No amor não existem acentos, pois de pé se vai mais longe. Sentar-se é se acomodar, permitir que você se torne a oração subordinada do relacionamento. Na verdade, uma relação saudável não necessita de uma oração principal, já que cada uma diz aquilo que deve dizer, sem que a outra perca o sentido e sem fazer com que a sua oração perca a razão. Ambiguidades não são bem vindas, uma frase é linda quando é clara e objetiva. Diga aquilo que realmente é, não invente delongas para demonstrar um sentimento regado de hipérboles e inverdades. O amor não é feito de máximas e sim de mínimas que fazem toda a diferença. Sim, os detalhes salvam ou ferram tudo de vez. 
            Metáforas engrandecem, garantem romantismo ou mascaram certas frases. E tudo que é mascarado não é bem vindo. Evite metáforas e cacofonias exaustivas. Depois de um dia de trabalho o silêncio cabe aos dois, mas, um bom diálogo cabe nessas horas. Catacreses sempre são bem empregadas, quando atingem o pé do ouvido. Eufemismo também funciona, diminui certos impactos, dando mais suavidade a qualquer situação que pode soar desagradável. O paradoxo é inevitável desde a época de Shakespeare, em que "amor é fogo que arde sem se ver e ferida que dói e não se sente". 
               Um bom relacionamento requer o prazer que pode ser expresso por uma aliteração de ruídos, no clímax de uma colocação bem feita ou aquele que surge diante do apagar das luzes. Mas, infelizmente eu insisto em dizer, que casal nenhum sobrevive apenas de momentos ocultos e prazerosos. Explicitamente deve haver concordância, tópico frasal e o como objetivo a felicidade de ambos. Jamais utilize assíndetos, nunca omitas as preposições; mas, contudo, porém entretanto, não importa quais forem as de sua preferência, exija explicações concretas, não se deixe enganar e não permita enganar a si mesmo. A sinceridade deve partir do seu interior antes de tudo, vírgulas servem para garantir algumas pausas necessárias e que fazem pensar em tudo o que pode ser melhor.
                A linguagem não precisa ser formal, a regra é que os dois se entendam e que haja um exagero de respeito, doses moderadas de carinho e uma pequena ironia, só para que o romance não perca a graça. Um verbo mal conjugado, é problema não certa! Evite pensar no que foi ou no que será, lembre-se sempre do modo infinitivo - que garante a infinidade da relação e demonstra o quanto é importante ela existir  e não o que já existiu e deixando de cogitar a hipótese de que outras existirão. Não me importa se o futuro é do presente, do pretérito, aliás o pretérito é o que menos deve preocupar, pois o presente é o melhor tempo. E por falar em tempo, tire um pouco para si e jamais deixe a sua felicidade de lado. Amar é buscar a felicidade mútua, aliada ao conforto de ambos e bem estar - e se não for assim, dispense as vírgulas e ponha um bom ponto final. 

Costume

Se eu chorar, não quero que me console com meias palavras. Não quero que utilize meia palma de uma das suas mãos para secar uma lágrima minha. De repente eu chore de fraqueza, de repente eu sofra de um mal tão comum e que com certeza você conhece bem. E pode me chamar de fraca, pois é isso que somos. Frágeis. Somos tão vulneráveis, que sofremos por algo que não vemos, algo que julgamos existir e sentir em algum momento. E como ia dizendo, não quero saber de nada que for pela metade. Se for para viver em meio termo, prefiro o nada. Já que me é de costume não ter o que partilhar, nem com quem. Já que me canso dia por dia, cama vazia, sala cheia e sempre sem ninguém. Por fim, te ordeno me virar as costas e partir para onde encontrar aconchego, preciso e devo cuidar de mim e só ir, ir só.

Por trás de um pequeno homem...



     Eu a conheci no verão passado. Não foi na beira da praia, nem em um parque, muito menos em um dia lindo de sol. Era um dia normal, nublado, pra ser sincero. Eu estava a trabalho, naquele dia tinha uma visita agendada no hospital de uma pequena cidade. Antes que se pergunte, sou representante de um fabricante de medicamentos e afins. Eu estava estressado, cansado e atordoado. Cheio de coisas para fazer, eu estava prestes a me casar com a Jessica. 
      Muitos pacientes, aquele corredor que parecia imenso para as minhas pernas cansadas, fui até o departamento 13 a procura do Dr. David, como de costume, e para o meu azar, ele não estava lá. Me dirigi a recepção e lá obtive a informação de que ele estaria no 19, onde fica a maternidade. Me dirigi até o local, ou melhor, onde eu achava que era o local, já que me deram a informação errada. Entrei no departamento 17 e comecei a vasculhar de porta em porta, para ver se achava o vivente. Abri a sala 203 e lá estava ela, deitada, sozinha - acabara de cortar o cabelo - chorava muito. Entrei e deixei para o lado de fora todos os meus problemas, tudo aquilo que eu pensava ser um problema. E como nunca havia acontecido, me comovi com a situação de uma pessoa estranha. Ela estava simplesmente linda. Cor da pele, sem maquiagens. Unhas curtas, cílios grandes, o lindo sorriso que abriu para mim e aquele olhar de quem luta a cada dia para salvar a própria vida. Meus amigos me perguntaram o que eu vi naquela mulher, sem cabelos, com câncer, com o risco de dormir e não acordar. 
           Mal sabem eles que eu vi ali uma mulher forte e você também pode me achar louco, mas eu a vi como uma mulher atraente, elegante e que possui muito mais do que cabelos longos. Alguém que mesmo do jeito mais natural que pode existir, consegue ser radiante. Enfim, quando digo que deixei tudo para o lado de fora daquela sala, me refiro a Jessica inclusive. Eu descobri que o que havia entre nós era uma coisa tosca, que a gente chamava de amor, e que infelizmente não passava de algo tosco, vazio. Não havia admiração, não havia emoção. O que sustentava aquela relação era uma atração física ou um comodismo tremendo. Jessica é linda, mas não apresenta nada mais além disso. 
            Obviamente, ficamos juntos. Logo, dei um jeito de adaptar meu apartamento e a minha vida para receber a Isadora. Ela chegou a vir morar comigo. Abri mão de muitas coisas, mas nenhuma delas me fez falta a ponto de me fazer desistir dessa nova vida. Pelo contrário, cada superação e sinal de melhora dela é uma vitória pra mim. Ontem ela retornou para o hospital, reiniciaram as sessões de quimioterapia e lá vou eu. Arrumar minha malinha e fazer do hospital o meu lar. Vou cuidar do que é meu, da mulher mais linda que já vi, daquela que fez de mim o que eu achava que era: um homem. 

"Aprendi que não tinha problemas e que a minha Isa, me trouxe com os problemas dela, todas as soluções me que faltavam."