Lucidez

            Hoje acordei meio assim, sei lá. Pronta pra guerra, inspirada e com vontade de cantar para os quatro cantos do mundo, até que não haja afinação e som na minha voz. A boca está pronta para o beijo, enquanto o corpo quer sair e saltar feito elétron de uma camada para outra. O humor em uma instabilidade tremenda, feito vulcão, pronto para a próxima erupção. Áquilo que ontem era solidão, hoje se resume em um bom vinho, salto, batom vermelho... Uma companhia ou duas, talvez. Plena quarta, mas uma boa pista cai muito bem e perfeitamente. E nada de bebedeira, amanhã é quinta feira e além disso, hoje quero estar lúcida, de cara limpa e sem armas. Quero seduzir honestamente, matar aos poucos apenas com uma dança ou de cansaço. Vou dispensar a discussão entre o meu eu e o teu, obedecer meus instintos sem titubear. Afinal, não sei quando terei outra oportunidade de acordar assim, fazer, acontecer e amanhã lembrar. 

Basta

           Cansei de tudo, de todos, de todas as aparências, de todas as pragas e de tanta estupidez. Chega! Chega dessa angústia que só me agonia e que me faz enxergar o escuro. Chega de nós, de cordas que me amarram, que cerram uma personalidade construída durante tempos. Chega de maldizer, chega de intrigas e de coisas que me arrastam e me fazem rastejar por uma simples companhia. Chega... De viver, de sofrer, de chorar e de se desculpar por erros       que não pertencem somente a mim. 

Fundamental


           

               Antigamente eu amava brincar de amar, amava a possibilidade de amar. Hoje percebo que sempre amei, mesmo quando pensava estar brincando. E hoje vejo que amo admitir que amar é realmente algo que faz parte de mim e que havia uma grande possibilidade de eu ainda não aprendido que para haver vida é preciso amar.

V.M.

Não basta ser perfeito
Tem que ter aquele gosto acentuado
Assim, daquele jeito

É único, nada acanhado
Tem química, tem cheiro
De chuva, corpo molhado

Tem que ser assim
E não tem jeito
É tão sem fim, que para mim
É bom assim, tão imperfeito

Salivar esse sabor
Me inspira a sempre dizer
Te amo.




Espinho

              E como tenho aprendido nesses últimos dias... Aliás nesse último ano. Agora as coisas são claras, tão transparentes quanto a água. A pré-visão do tempo para esse ano garantia dias chuvosos e os pré- requisitos para dois mil e onze eram o acontecimento de coisas muito boas, boas e outras nem tanto. Todas àquelas que se encaixam no bloco das "nem tanto" me vem a calhar justo agora. Durante o soprar dos ventos frios, o voar das folhas secas e assim se faz o cenário que compõe essa cena de tempo nublado.  
               Todos os meus "eus" agora se reúnem em ciranda em torno de mim, para me fazer a companhia que me falta. E o sorriso que era espontâneo agora é escudo contra negatividades e males. O olhar que um dia fora vivo nada mais é que um olhar de dúvida e pura desconfiança. O que se passa em mim? Talvez uma pitada de fogo que faz o sangue entrar em plena ebulição ou quem sabe é só um tempo de metamorfose, até que tudo volte ao normal. 
               Na verdade entender o que está se passando não é tão difícil assim. O que me intriga, na verdade, é vontade de entender de onde vem essa força? Essa força que me faz acordar todos os dias, abrir a janela e ter a capacidade de acreditar na existência de dias melhores. Mas, como diria um velho sábio, a estrada é de chão batido, coberta de verde, flores, amores e espinhos. E para que haja sobrevivência, basta fazer uso da flexibilidade, afinal basta inclinar a coluna, levar a mão até o pé e retirá-lo. Um espinho a menos e a caminhada continua...

Chão batido, flores, longo caminho, amores, espinho.


Avesso

      Fechei os olhos e abri uma porta dentro de mim que talvez eu nunca havia aberto antes. Na entrada havia um degrau. Pisei e caí. O degrau era falso, havia um grande precipício. Cheguei no mais profundo do meu íntimo e como em uma sala de cinema, sentei e vi passar no telão todos os meus sonhos, as minhas vontades e os meus sentimentos. Quanta coisa guardada, quantas palavras que não disse, quantos momentos não vividos. Sonhos. Muitos sonhos. Verdades e certezas. A certeza de que preciso entrar em pleno êxtase. Uma grande vontade de explodir de emoção como um dynamite. E a necessidade de algo que não sei o que é, nem onde está, mas que me tire fora de mim, que me vire do avesso, nem que seja por um instante.  

O amor é gago

             Desde muito nova trabalho como recepcionista em uma empresa de exportações. O fato é que para exercer a minha função é necessário que a pessoa seja desinibida e bastante comunicativa. Eu nunca fui assim, até o dia em que passei a me desconhecer. Talvez o que eu tinha era medo ou vergonha de me expor.
               Para chegar no meu trabalho eu pego o metrô e caminho cerca de sete minutos. Certo dia, estava saindo de casa, para ir trabalhar, quando parou um carro prata do meu lado... O vidro baixou, dentro havia um homem desconhecido, que para a minha surpresa me ofereceu carona. Ele disse que me conhecia do "café" que eu sempre frequento durante o intervalo e que acabara de se mudar para o meu bairro. Encabulada e completamente chocada, resolvi aceitar a gentileza. Um homem bastante agradável, com bom gosto musical, nem bonito, nem feio... Digamos que mediano! E o principal: ga-ga-guinho. 
                 O trabalho dele era perto do meu, na mesma quadra, eu diria. Meu namorado estava viajando à trabalho, mas acho que ele não veria problemas em eu pegar uma carona com o vizinho. 
                  Na sexta-feira daquela mesma semana, o Bru-no me convidou para ir no café com ele depois do expediente, aceitei, pois precisava me distrair. Bebemos um café, ele se apresentou de modo decente. (Bruno, 31 anos, formado em arquitetura e estudante de design de interiores.) Eu me apresentei e desenvolvi um papo de modo que eu me espantei comigo mesma. A conversa fluiu, tudo no tempo certo e eu ganhei um amigo.
                   Na semana seguinte, o Rafa estava para chegar de viagem, mas eu não sabia ao certo que dia. O Bruno me convidou para jantar e eu disse só aceitaria caso eu escolhesse o restaurante. Levei ele para experimentar uma comida japonesa, que eu adoro. Quando chegamos, recebi uma mensagem do Rafa, dizendo que estava na minha casa. Liguei para ele e disse que estava no Tóquio (o restaurante). O Bruno estava meio estranho desde que chegamos no local, logo pensei que ele pudesse estar com algum problema. Porém, quem estava com sérios problemas era eu, já que precisava arrumar uma namorada pra ele, antes do Rafa chegar. 
                   Havia uma garçonete bastante simpática, ofereci uma grana à ela para que se passasse por namorada de Bruno. O Rafa chegou e no mesmo instante a garota sentou-se ao lado de Bruno. 
                   -   Quem é esse? - Bruno
                   -  Um amigo meu. - Respondi
                   -  Sou o Bru-bru-no! E essa é a minha na-na-morada.
                  -   Hellen? Não sabia que estava namorando!
                  -    Você conhece ela, Rafael ?
                  -  Sim, nós nos conhecemos e muito - Respondeu a garota
                  -   Como assim? - Interroguei surpresa
                  -  Eu e a Hellen namoramos, durante dois anos
                  -   Essa é a Hellen?! (Quase morri do coração nesse momento, a garota era linda, dona de um corpão que até eu era capaz de virar o pescoço, caso a visse na praia.)
                  - Sim, prazer! Hellen.. Por que tanto espanto, querida?
                  - Nenhum.. Quer dizer... Todo. Eu jamais imaginava que você fosse a ex-namorada do Rafa.
                  -  Por que?
                  - Porque você parece magra, totalmente diferente do que o Rafa havia descrito.
                  -  Como assim? - disse a garota quase saltando no meu pescoço. - Eu não quero saber de nenhuma explicação.. quer saber, já fui humilhada o bastante!
                  -  Es- es- pera Hellen .. - disse Bruno
                  - Marília! Olha o que você disse para a garota! - disse Rafa - Eu vou atrás dela!
         Que confusão! Eu que sempre fui tão tímida, disse uma coisa daquelas.. Não pude nem cumprimentar meu namorado, que foi correr atrás da ex e estraguei o meu jantar com o Bruno. Comecei a chorar, no ato. O meu amigo me abraçou e me levou para casa. Conversamos e em instantes me acalmei. Ele se esforçou para vencer a gagueira e me fez rir demais. A noite passou e nem percebemos. E, antes dele ir embora, preguntei o motivo dele estar estranho quando chegamos no restaurante e ele confessou que estava apaixonado por mim e não sabia como dizer isso, pois sabia que eu era apaixonada pelo Rafa. No mesmo minuto, recebi uma mensagem no celular: "Imperdoável o que fizeste, está tudo acabado entre nós!". Não derramei nenhuma lágrima, afinal eu já havia acostumado viver sem o Rafael, que ultimamente só ligava para o trabalho.. O Bruno havia me feito feliz em uma semana, uma felicidade que eu não havia vivido durante o tempo que estava namorando.
           Imediatamente desci as escadas correndo, abri a porta e fui ao encontro de Bruno. Sem falar nada, dei o beijo mais longo e alucinante da minha vida. O tempo fechou, começou a chover, mas para mim não importava. Na verdade, o mundo poderia acabar naquele instante e ainda assim, eu estaria feliz, por ter encontrado em apenas uma semana o amor da minha vida.

Aos que dizem que o amor é cego, estão enganados, pois o amor é gago!