Quase mulher



        Que dia movimentado aquele, época de provas, de correria e agitação. Tempos de dupla jornada entre trabalho e universidade, a jornada mais desordenada que vivi e a mais emocionante, segundo os antigos. O meu tempo estava tomado por provas, trabalhos, projetos e reuniões. Morava praticamente na redação e a Dóris andava meio esquecida. 
          As tarefas se multiplicavam, os pensamentos de dividiam e a minha condição de mulher pesava na minha consciência. A depilação era algo de extrema urgência, enquanto a manicure, a podóloga e a tinta de cabelos nem lembravam da minha existência. Os sapatos estavam pedindo para sair do asilo, aquele tubinho preto louco para arrasar nas pistas, enquanto o "all star" e a calça "jeans" não saiam de mim. 
          Arroz e feijão desconhecia desde os dezoito, quando saí de casa e adotei a Dóris. O fast-food tornou-se meu melhor amigo e aquela coluna do jornal a minha maior paixão. Finais de semana se resumiam aos estudos, exceto aquele que não me canso de lembrar. 
            Meados de outubro, na esquina do café, esbarrei na coisa mais linda e perfumada que existe. Conversamos, trocamos número de telefone, marcamos um encontro, foi demais! A distância entre nós era tamanha, mas a vontade de estar perto um do outro aumentava a cada minuto. Ficamos durante tempos até o dia em que decidimos morar juntos. Eu tinha vinte e apesar de tudo, me considerava uma garota de tamanho minúsculo comparado ao mundo a minha volta. 
             Aprendi a lavar, passar, me formei, a Dóris faleceu, as tarefas aumentaram e a minha condição de mulher ainda anda esquecida, escondida em um lugar onde a minha vaidade não me permite ser alcançada. Ele cozinha, me ajuda em quase tudo no nosso quase almoço, no nosso quase casamento, na nossa quase casa e a acreditar que sou linda e maravilhosa, mesmo sendo uma quase mulher. 

Um comentário:

  1. É claro: quase mulher, quase amor, quase relacionamento. ;x

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